... o som da nossa casa não era tão pequeno, não tinha cd com mp3, muito menos um pen drive que cabem mais de mil músicas. As caixas de som eram bem grandes e minha mãe colocava sempre uma plantinha em cima pra enfeitar a sala, que dispunha de poucos móveis, “ano que vem a gente reforma, Rita” sempre respondia meu pai. Era um sofá, um rack mogno, uma mesa de vidro e uma cadeira de plástico que Heraldinho, meu pai, comprou pra Arlindinha, minha Vó sentar quando morou lá em casa durante os belos um ano e sete meses. Quando apareceu um cd da Legião Urbana lá em casa, o "As Quatro Estações", eu não dei tanta importância quanto o meu irmão, Felipe. A banda já havia acabado, o Renato Russo já havia morrido e o cd já tinha uns quatro anos de lançado. Meu irmão deitava com o ouvido colado na caixa e repetia a música dois, dois, e só a dois. Sempre foi assim, tudo que ele gosta, que ele ama, ele gasta e não cansa, o meu irmão é um incansável. Não cansa de repetir, de irritar, de perdoar as mancadas do mundo contra ele, nem de nos fazer esquecer suas teimosias persistentes. Assim como não cansa de mostrar o que ele gosta, mesmo que não mostre nenhum interesse, ele quer que você veja “começou Two and half man Quel, vem ver”, “ pela milésima vez, eu não gosto, é muito machista”, “Fala sério, não gosta, e bom é o quê Gilmore Girls?”, melhor não responder! E foi assim que ele vendo meu interesse no que ele estava tão insistentemente ouvindo que ele tirou a plantinha e virou a caixa. Ficamos horas, horas mesmo, repetindo com as cabecinhas coladas ‘pais e filhos’. A voz do Renato, os olhos emocionados e inebriados com ele cantando “eu moro com a minha mãe, mas meu pai vem me visitar...” ainda hoje é a minha memória mais linda. A camisa laranja três quartos gola canoa do meu pai, minha mãe amavelmente resolvendo tudo e fazendo surpresas só pra ver quem ela ama feliz compõem esse quadro. Agora, o Felipe é o Bam, mora longe de mim, com meu pai. Sua foto está nos meus dois quartos. A gente cresceu, briga como antes e se ama como nunca. Fico sempre imaginando quando vou esquecer a história da borracha milagrosa, que ele "caradepaumente" convenceu nossa inocente mãe que fez todos os apontamentos na mesma página de caderno Tilibra. “Cadê as cópias, Felipe? Você não estudou?”, “estudei sim, mas pra não gastar papel – já era um menino preocupado com o meio ambiente – eu DECOREI, apaguei, e escrevi de novo várias vezes em cima da mesma página”, “que borracha é essa, que fez milagre e deixou a página inteira sem borrões?”. O Felipe estava com duas borrachas na mão, uma de duas cores que serve também pra limpar a memória RAM do PC, e aquelas plásticas com um protetor verde – que hoje tem de todas as cores. Ele escolheu, foi na sorte, essa que nunca o abandonou fez ele entregar a borracha plástica pra minha mãe, que milagrosamente apagou e não manchou a folha “Viu mãe!”. Ela não acreditou, mas fingiu. Eu poderia passar dias escrevendo sobre ele, daria um livro – E meu pai vai dizer quando lê, "não mete essa!". Saindo do ônibus pelo lado errado no Rio, continuar cantando enquanto o baterista briga com homem no meio do show por causa da namorada, fingir que está doente pra não ir a aula, só coisa do Bam mesmo. A maioria das pessoas que tiveram a sorte de ter um irmão, com certeza tem histórias como as minhas, não somos uma dupla perfeita, mas ele se importa comigo e eu com ele. Ele me chama de Rabuja, “carinhoso” de rabugenta, pra pedir as coisas e eu peço tudo a ele. E mesmo você não gostando TANTO, eu vou citar "Dentro da alma, eu sinto mesmo, sem mais nem menos, amo você. A gente briga, mas sou sua fã, sem ressentimentos, sou sua irmã" (Dias e Noites, Sandy e Junior). Te amo.
Raquel Pimentel
Dois...três metros...né?
ResponderExcluirAi ai...isso...faz o irmão chorar mesmo!
Que coisa mais linda meu amor...me emocionei de verdade, parece que voltei no tempo.
Fico muito feliz em te ver assim, me deixa muito orgulhoso ver você escrevendo tão bem. Ainda mais sobre nossa infância.
Saudades de você minha irmã. Saudades de querer te convencer a assistir minhas séries de tv, saudades de ouvir você escutar Sandy e Junior o dia tooooodo, saudades de te ver estudando horas e horas...e mais que tudo, saudade de te ter sempre a dois...três metros do meu quarto. Sempre assim. Sempre disponível a dois metros, até quando dizia "tô ocupada, tô estudando, abaixa esse som, MÃAAAAAAAAAAAAE!"
te amo quel, fica com Deus irmã.
Que liiiindo textoo, liiindo comentário de irmão...e que saudade louca que me deu do meu! **
ResponderExcluirA consciência ecológica e o bom-gosto musical de seu irmão são exelentes bons exemplos pra juventude.
ResponderExcluirAcho que cabe a essa crônica/conto uma continuidade... quem sabe um 'Atualmente'...?
Continue escrevendo!
Ai Quel que lindo. Considero que sou filha única, porém tenho irmãos beeeemmm mais velhos por parte de pai. Eu não tive essa oportunidade que você tem, de sempre estar se preocupando, de brigar por besteiras e depois fazer as pazes. Gosto muito dos meus irmãos e eles de mim, mas por eles serem adultos, não há essa "coisa" entre irmãos mesmo, sabe? O carinho que você tem pelo seu irmão e vice-versa é muito, muito único, muito lindo.
ResponderExcluirGosto de vir aqui, você escreve textos que me fazem refletir e isso é muito bom!
=)