28.11.09

Aquela Fotografia



Falar o que penso é dizer de coração aquilo que sinto. Não quero embromar sentimentos, ocultar as palavras e negar. Quando vejo aquela fotografia tão simples, lembro como estava me sentindo naquele dia e o que esperava dele, sobretudo quem iria encontrar. Ensaiei palavras, textos, entradas na sala, olhares, tudo milimetricamente calculado. Experimentei várias roupas, as cores saltavam, queria uma adequada, e que não parecesse que estava arrumada para ocasião, queria ser discreta, mas deveria estar bonita. E até fiquei, minha alegria me deixou bem naquele jeans feio com uma blusa brega escrita Kiss. Discurso repetido, me sinto como minha mãe explicando suas fotografias com um corte de cabelo horroroso, pigmaleão setenta, diz ela. Lá estava eu mais uma vez pegando aquela foto que fica escondida comigo, para que ninguém perceba minha felicidade por estar ao seu lado, então eu a escondo. Mas eu mesma gosto de me ver ali, me ver estúpida, me amargurar, volta e meia abro minha caixa e vejo a foto, para ser mais ridículo faltou colocar a data e os nomes, quem sabe uma citação, algo bem a minha cara, mas não posso, apesar de sempre pensar em alguma do tipo “A alma de outrem é outro universo, com que não há comunicação possível, com que não há verdadeiro entendimento. Nada sabemos da alma senão da nossa; as dos outros são olhares, são gestos, são palavras, com a suposição de qualquer semelhança no fundo”. É minha obsessão, uns tem por carros, outros por praia, a minha é aquela foto específica. Me levanto, com ela apertada contra o peito, sinto o cheiro, como se fizesse alguma diferença, mas satisfaz minha alma perdida e saudosa. Vou colocar no porta-retrato com a minha citação do Fernando Pessoa, a foto é minha, faço o que quiser com ela. Depois de muito pensar, sonhar, dormir e acordar guardo-a de volta na caixa, ela é seu destino maior.

Raquel Pimentel

14.11.09

Vestido curto e "Que país é esse?"




- Mãe quem é essa na televisão?
- É a Carla Perez.
- E porque ela está dançando?
- Porque ela é dançarina de uma banda na Bahia e ela é paga pra dançar.
- E ela ganha muito? Da pra comprar o que ?
- Ah minha filha, muita coisa.
- O que?
- Um carro, uma casa, uma geladeira nova...
- Isso eu tenho dá pra comprar toda a venda do seu João com todos os doces dentro?
- Se estiver a venda, dá sim.
- Então quando eu crescer eu quero ser como a Calila Perez.
- Carla filha, Carla Perez.
- Ah!
- Então tem que começar a dançar pra fazer direitinho filha!
É mais ou menos assim, a menina cresce dançando todos os tipos de música, é incitada sexualmente cedo demais, desce na boquinha da garrafa, e tudo bem, ela é criança. Tudo quanto é tipo de mídia hoje está voltado a desconstruir o passado com a desculpa de que estamos no século XXI, o resto é antiquado ou está fora de moda.

As crianças querem estar vestidas como adultos, e estão mais parecendo pequeninas pessoas com cérebro em desenvolvimento, meninas de salto, bolsa e seus inseparáveis celulares marcando o horário com a turma para falarem todos em seus MSN’s. Tudo isso a gente já sabe, as crianças não querem mais ser crianças e tudo envolve uma discussão de cunho sociológico onde a pergunta é: Onde pararam de se preocupar com as pequenas criaturas que um dia serão adultos responsáveis por suas vidas?

Porque parece que a sociedade está cada dia mais débil e deficiente no quesitos humanidade, paz e comunidade. Em São Paulo recentemente uma menina foi levada a escárnio público por causa de um vestido curto, todos saíram de suas salas e a xingaram de todos os possíveis nomes. Aí fica a minha pergunta, se todos estão achando um crime o aconteceu, quem acha certo? Quem fez aquilo? Porque pra mim mais parece um circo fora da realidade, não creio ainda que aquilo aconteceu, é chocante, humilhante e fora de tudo o que nós temos como referência.

No Brasil s mulheres sacolão (melancia, morango, uva, maça...) são endeusadas. Homens de todos os cantos comprovam sua medievalidade desejando tamanho absurdo de mistura de massa muscular em formas gigantes (gostosíssimas, para eles) com uma ignorância cultural FANTÁSTICA. Aí a menina usa um vestido que ela considera adequado, afinal ela não está em uma sociedade amish, e é “apedrejada” por um bando de imbecis aculturados de mentalidade limitada. Tenha dó! Isso porque estamos no mesmo país que a menos de três anos a personagem mais querida era a prostituta Bebel (personagem da Camila Pitanga, em Paraíso Tropical) com sua roupas curtas e seu palavreado grotesco.

Não estou aqui pra julgar o tamanho, a cor ou o tipo do vestido da menina, mas ela não saiu dos padrões brasileiros de comportamento. Crescemos no país que a televisão só mostra mulheres cheias de curvas, país que está cada dia mais sexista, machista e com homens cada dia mais chauvinistas. E o corpo é dela, onde está a liberdade? O direito de ir e vir? Que sociedade hipócrita com valores invertidos é essa que estamos criando?

Nós brasileiros somos comprados por propagandas de governo que nos mostram paisagens de paraísos tropicais, que muitas vezes nem temos condição de conhecer. Vivemos em contextos diversos onde pessoas são massacradas, jovens morrem de overdose, televisão é uma porcaria, ninguém faz a sua parte por um país mais cidadão e justo. Somos conhecidos mundialmente como “aqueles que querem se dar bem a todo custo” ou “vai pro Brasil esconde o dinheiro na meia”. Tá tudo errado e o meu papel social é escrever aqui, tentar mudar a realidade das pessoas ao meu redor, trocar idéias e achar um ponto comum, e nunca parar de sonhar com um país mais justo, onde as pessoas não queiram agredir as outras por motivos banais – por motivo algum – idealizar um país onde as pessoas desejem viver em paz, sem tantas agressões, vozes altas, gritos e etc.

Gritar por um vestido curto e não reclamar por seus direitos, não votar nas eleições, jogar lixo na rua, beber e dirigir, sustentar o tráfico. Esse não pode ser o Brasil, mas já que é... Coitado do meu scarpin.
Raquel Pimentel